25 de maio de 2009

Gostoso transtorno

Será que acontece só comigo? Seja lá como for, fascina. E por isso comento. Bi, tri ou multilíngüe, a gente fica lendo muita língua cruzada.

Em tempos de internet é como que simultâneo. Pula-se de um artigo na Folha Online ao The New York Times, e ao Der Spiegel. E a coisa ainda pode se potencializar quando o pensamento vaga paralelamente em mais outros campos ocupacionais de nosso dia-a-dia. Aquilo de que qualquer psicólogo nos previne por maléfico a nosso bem-estar. Porém, seguindo analogia de filósofo não descartável nem longevo: existe por constatado.

Algumas vezes ocorre um descompasso estonteante: lá vão os luzeiros avançando ao compasso de anos-luz (300 mil km por segundo – imagine ler o jornal em facção de segundos!), ao passo que a audição interna, que sustenta a leitura muda, avança a 343 metros por segundo - bem, a referência vale para o meio ar a 20 °C. Como em nossa singular cabeça pouco ar há de ter, porém muitos neurônios aquecidos a 37 °C, deverá ocorrer alguma aceleração de fator a mim desconhecido, não obstante sem qualquer chance contra a célere concorrente, tão aspirada particularmente no século XVIII.

Meu transtorno, pelo visto e pelo que confirmo, não passa de facções ‑ se bem que delas muitas ‑ de segundos (uma facção seria, provavelmente, pouco até para a percepção do black-out, desse preto e branco do qual estou falando).

Quando acontece, acontece quando troco a marcha, por assim dizer. Quando altero da língua primeira, de uma leitura profunda, para uma segunda. Paro num inesperado ponto morto. Num curto-circuito, mágico instante que me desperta e faz estranhar. Quando as palavras lidas já não fazem sentido e soam enigmáticas: nasais em inglês, th’s no português. Instantes de desorientação nebulosa, sem perceptível lei da gravidade, que ao menos me daria uma base inicial, uma referência para um reposicionamento.

A audição íntima dá um basta e puxa os luzeiros de volta ao ponto de partida, para conferência, sincronização e câmbio, para re-interpretação.

Dopado sem droga. Eu acho legal. Pena que é ocasional e não provocável.

Crônica agraciada com menção honrosa no XIII Concurso Literário da ALPAS.

A Tecla

é uma vez mais aquela em que estamos batendo tanto. É que me ocorreu mais um baita argumento, prático e oral. Provém da minha remota experiência de professor de alemão para brasileiros, e veio-me à tona quando reli o texto O gigolô das palavras, lembrado em lista amiga.

Todos, em nosso ramo, conhecemos aqueles acanhados em falar línguas estrangeiras ou estranhas, como que de fogo. Que fazer com essas pessoas que preferem não aprender a errar?
Como elas investem$$ no aprendizado do primeiro (dificilmente segundo) idioma estrangeiro, efetivamente precisam falar, e falam. Mas falam murmurando para evitar que alguém detecte seus inevitáveis erros.

Nestes casos, recorri ao que ouvira de incerta professora de línguas, que me convenceu de cara: fale alto e claro, fale para que escutem seus erros, que todo mundo lhe entenderá. Se não escutarem seus erros, pouco ouvirão e nada entenderão. Esses erros são evidentemente gramaticais, sabemos.

E não é a pura verdade? Conhecemos tanta gente estrangeira que muito peca em nosso idioma, mas os entendemos perfeitamente, pois são pecados apenas gramaticais, generosos e preposicionais. Digo perfeitamente em relação àqueles numerosos compatriotas que em perfeito português não dizem coisa com coisa.

Outra vitória da clareza e lógica sobre nossa querida gramática, nem sempre clara e lógica!