21 de junho de 2009

Divagações de tradutor


Férias! Último dia! Deixemos assuntos cabeludos para a próxima semana. Fiquemos com a leveza do ser tradutor! Leveza que paira. Por definição. Coisa de segundo grau, de física e gravidade. Hoje, de ensino médio e de gravidez.
Cabeças humanas divagam. Fazem-no desde que são humanas. (Não: desde que humanas. Pessoalmente, creio que o fizeram antes.) Quando literário o tradutor, ou das ciências sociais, o ofício reforça o vagar. Afinal, faz diferença descrever parafusos ou feições e corações.
Com que não nos alimentam nossos autores: paisagens naturais, paisagens humanas, perfiladas ou apenas faciais. A observação de uma flor e seu beijador. O mirar e pensar do cão amigão. As relações humanas e desumanas. Sons e odores, sentimentos e rumores. me envolvi com terrorismo e comunismo; lençóis freáticos, meio ambiente; solidariedade e educação. Tutti fruti. Como não acompanhar, pensar, sonhar, aprender e crer.
Meu atual autor me ocupa com a questão e gestão da ética. Reconheço na ética a palavra das palavras. Acima de amor e mandamentos. O pico da montanha dos conceitos. Houvesse ética generalizada, não bastaria? Não seria melhor do que o amor ao próximo, mandamento predileto da infiel? Ou o amor generalizado, não necessariamente ético?
Bem, é o campo dos filósofos. Limitemos as divagações:
São certas orações, certas abordagens que me vêm à mente nesta ocupação oficiosa com a ética. ouvi gente rezando por minha sorte financeira! Fico feliz em deus ter a grandeza suficiente de indeferir. Imagine a inflação zimbabuana que daria se atendesse? Bilionário, mais pobre seria do que o agora milenário.
Intrigam-me também os dois goleiros que, prestes ao início do chutebol, ajoelhados, em gestos cruzados, religiosamente imploram seus deuses, em geral idênticos, encomendando a sorte para si, o azar para o semelhante. Definitivamente! Não têm misericórdia para com seus deuses.
O humano desejo daquela hora pode ser muito delicado, evidentemente, para não constranger. Algo como “dai-me minhas forças”! Afinal, é preciso ser ético.
Também com deus.

Toque mágico

Tenho alguns vocábulos que nunca encontro. Palavras corriqueiras e poucas, sempre as mesmas, porém.

Não pode! pensa o leitor. Pode, sim, responde meu célebro, como diz minha filhinha e dizia eu infante. Algum cluster deve estar danificado, e o sistema não consegue reparar o dano. Ou a palavra não foi salva direito, logo de início, sem eu perceber. Deixa ver: são as palavras... as palavras .... Não em jeito! Também! Com o cluster “quebrado”!

Chatice! Fosse ao menos pro inglês, onde tenho recursos digitais. Mas alemão <> português. Nada! Que preguiça de procurar o gordinho em papel! Folhar e folhear e foliar ‑ que nem outono boreal. Deve haver outro jeito!

Descanso o queixo na palma, no punho, nalguns dedos dobrados. Fito a tela. Descubro o chiclete. O punho se abre, abre o chiclete, o chiclete faz a boca abrir. Calma, calma! Também esse exercício físico não abre a gaveta certa na estante certa no corredor certo no setor certo do departamento certo. Lá no alto. Lá dentro.

Tu sempre sabia! Tantas vezes encontraste. É a mesma palavrinha.... Será possível? Será?

Espiada de soslaio ‑ lá está o gordinho. Puxa! Porque não te abres sozinho e pulas na tela, como outros fazem, sabidinho? Tirar as mãos das teclas é como dar uma parada em carro a 80. Tu sabes. A gente para quando chega.

Deixa! Vamos dar mais meio minuto de chance para o andar de cima ‑ não é possível!

Nada. Nada feito!

Tá bem, não tenho mais tempo para perder! Ganhaste, Langenscheid. Mas não me prega a mesma peça de sempre! - Silêncio. Nem liga.

Lanço minha mão à sua direção. O toque. A iluminação! Está aí a palavra! Palavra que nem estava na ponta da língua. É brincadeira (do dicionário)!

Às vezes não basta o toque para o efeito, é verdade. É preciso folhar, encontrar alguma palavra que inicie com a respectiva letra ‑ e cá está essa palavrinha boa no esconde-esconde!

Um braço, uma mão, um toque em capa e papel – uma ponte, um curto-circuito, uma luz, uma solução (já conhecida)!

Hipóteses? Claro. Mas sobre fatos.

Ah! O toque teve seu efeito: são as palavras: sobrinho, ciúme - e mais algumas. Corriqueiras que só. Não disse?

Crônica agraciada com menção honrosa no XIII Concurso Literário da ALPAS

Olá Ana! Hallo Anna! Hi Ann!

Oi, onde estão vocês três? Que sincronia! Fosse somente uma a desaparecida, o assunto não caberia nesse blog. Agora, logo as três! Isso deve preocupar o tradutor hodierno. Digo moderno, porque o tradutor clássico não terá experimentado a tríplice ocultação.

Na verdade sou ainda um dos clássicos, se bem que não o último, por falta de idade. Quando vejo a lacuna, a preencho, como bem me ensinaram, já sem palmada, em tempos juscelinos e brizolistas!

Mas aí que está o problema. Aliás, um problema de obediente ex-secundarista. O que então esteve certo, hoje parece errado. A gente não o percebe quando falta apenas uma delas. Mas quando a Ana e a Anna, cruzando fronteires e oceanos, se tratam do mesmo jeito, e até a Ann cai no coro uníssono – então não podem estar todas erradas e eu certo!

É o que ando pensando. Sempre mais. Os textos que recebo me forçam a cogitá-lo. Os mails de todos os lados: de amigos e inimigos, de vírus, piratas e espiões. Nenhum deles quer saber de vocativos, que definham sem sua virgulazinha.

Não chego a nenhuma conclusão. Mudo o método. Paro de ler com os olhos e leio com a boca. E constato que elas têm razão. A fala não deixa o mínimo espaço para a vírgula. Realmente não cabe!

Nos tempos da formalidade, “Boa tarde, seu João!” era sinônimo de “Desejo-lhe uma boa tarde, seu João!” Hoje, “Olá Ana!” ainda significa “Dou-lhe um olá, Ana!”? Significa antes um ”Te percebi, Ana!”

Retornando ao ofício: se traduzo correspondência (e o faço), e ambos os lados escrevem na maneira moderna, já não sinto mais cacife para imprimir tempos idos a tempos modernos. As Anas me matam pelo cansaço. E é assim que as coisas evoluem e sempre evoluíram. Matando pelo cansaço. O que admira, é a simultaneidade nas três culturas, se não noutras mais.

Espiemos ainda, sobre o “alô”, o Houaiss, que está com um pé de cada lado do muro, onde vejo dois vocativos:
1 us. para chamar a atenção de outrem
Ex.: a. vocês aí embaixo
2 us. como saudação
Ex.: a., amigos radiouvintes

E eu toda manhã abrindo meus “Hallo Herr Dressel!” da nova geração de secretárias e de seus velhos seguidores! Fugir como? Acho que estamos liberando uma tecla para algum novo sinal. Talvez este: :)!