Tenho uma série de cães. Infelizmente. Recolhidos das ruas de Ijuí - ou seja: já tiveram outros donos.
Eu e eles já não somos ijuienses. E tenho um probleminha a mais com eles.
Quando saio, sou perseguido. Quando retorno, sou bem-recebido.
Muitos "donos" conseguem facilmente resolver essas situações corriqueiras. Depende das circunstâncias.
Minhas circunstâncias são adversas. Adversas para mim, favoráveis para as 40 patas caninas. Para chegar à estrada, percorro uns cem metros por uma picada silvestre. Não tem como ultrapassar a malha, às vezes mais abaixo do carro do que a sua frente. Haja nervos.
Chegado à estrada - estrada de chão -, pouco alteram as circunstâncias. A via continua estreita o suficiente para me impedir a "ultrapassagem" dos quadrúpedes - entusiasmadíssimos com o diário desafio da corrida, porém ameaçados do inevitável sumiço do adorado dono ao horizonte por horas e horas - se bem que sabem converter as horas em horas de baderna.
Percorridos em conjunto os 700 m de chão cascalhudo ladeira acima ladeira abaixo, vem a esquina, que, desconhecedores das leis de trânsito, diferente de mim dobram sem respeitar preferências alheias.
Mas: como, afinal, está o ranking dos céleres corredores? Eu, em meu calhambeque de corrida que, conforme taquímetro, pode marcar até 180 km a hora (duvido!), nada célere situo-me mais ou menos no meio do campo dos atletas. A via, agora dobrada porém esburacada, possibilitar-me-ia um arranque derradeiro. Mas parte da mantilha não sai da frente. Pior: na esquina juntou-se outra, a dos vizinhos, que caça não as minhas rodas senão meus felizes infelizes acompanhantes. Dá-se aí, contudo, a minha chance. A atenção dos meus é desviada pelos novos perseguidores.
Procuro acelerar. Dois a três afilhados, contudo, continuam na ponta do troço animal. Mas veja só quem está na ponta, minúsculo, imperturbável, objetivo! Esperto estrategista: o Negão.
Negão é negro que só. dos olhos à cauda. Um dos primeiros resgatados pela família. O menor de todos. Castrado, ligeiramente aleijado do atropelamento sofrido na rua 14 de julho em Ijuí.
É ele que, quando ligo o motor e, às vezes o aqueço por alguns segundos antes de partir mata adentro, é ele que dispara enquanto os demais à toa latem e circundam em infernal ladrido o carro ligado. Os demais acompanham o carro, muitas vezes focinhos voltados para o carro. Não o Negão, que a essa hora está dúzias de metros à frente.
E já não perde a ponta para ninguém, exceto para mim, e isso lá ao km 2. Quando ouço seu choro só seu, solto quando o ultrapasso, sei que já não há mais canino à frente. É quando acelero de 40 para 60 km o meu foguete 78 e abro a latinha de coca-cola para despertar e me concentrar nos buracos quebra-molas no escuro do alvorecer que minhas molas enfrentam dia a dia.
Negãozino! Queridão!
31 de maio de 2014
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