‑Paiê, “pele ” leva acento ?
‑Leva não , filha ! – Estás indo para a terceira série , não é?
‑ Tô, pai , tu sabe!
‑Então vou te ensinar uma regrinha pequenininha, e tu vais ser a mais sabidinha da turma na acentuação. Consegues decorar 5 coisinhas de nada e umas 3 dicas ?
- Paiê, sei coisas muito mais difíceis. Já sei contar quase até mil !
- Então , veja: imagina um português sem acentos . Aí todas as palavras são tônicas em sua última sílaba . Todas, menos as 5 coisinhas que te comentei: as palavras que terminam em a, e, o, am e em . Estas têm sua tônica natural na penúltima sílaba . Por exemplo : baba , pele , avo , amam, porem. A regra vale até para o plural de todas essas palavras .
- Então , filha : quando a gente quer que uma dessas palavras tenha sua tônica em outra sílaba que não a natural , é só jogar o acento para lá . Podes fazer isso com os exemplos que te dei, e terás palavras novas . E, afinal , sabes a diferença entre um acento agudo e uma casinha, não é? Depois vamos ainda falar de ditongos e hiatos para arredondar a questão ...
--------
Vi essa regrinha num livro alemão de ensino da língua portuguesa. Revelou-se regra áurea , de fácil manuseio mesmo numa madrugada de pizzas e chopes . Aplica-se até às palavras monossilábicas: já , pé , ti, pó , tu . Mais : tão válida é que os descabidos acentos do tipo “idéia ” e “vôo ” caem com a reforma ortográfica pretendida, enquanto que “a regrinha” fica inabalada, pétrea . Por natureza , ela não abrange os artificiais e arbitrários acentos diferenciais. Aliás : no fundo a reforma ortográfica reconhece um pouquinho a “regrinha”.
Reza a introdução do Michaelis às “regras da acentuação gráfica ”: “O português , assim como outras línguas neolatinas, apresenta acento gráfico .” Ora! E daí?! Nenhum desses descritores de regras tem a curiosidade pelo porquê do acento nem a satisfaz. Só dizem que têm. Não elucidam a óbvia , a perceptível tônica natural subjacente à flor do vernáculo . Logo mais afirma o Michaelis: “Além disso, você notou que a sílaba tônica nem sempre recebe acento gráfico . Portanto , todas as palavras com duas ou mais sílabas terão acento tônico , mas nem sempre terão acento gráfico .” O ignorante , ávido por sua alfabetização , espera a elucidação do fenômeno . Segue, qual nada , a descrição de um enorme caos sem explanação ! E multiplica-se o caos em milhões de cabeças lusopensantes.
As palavras portuguesas terminadas em a, e, o, am e em têm sua tônica natural na penúltima sílaba . As demais , na última . Compreendidos os plurais de ambos os grupos . Sempre que a tônica se deslocar da tônica natural , incide acento gráfico . Exceção é o grupo de palavras terminadas em en, cujo plural segue a regra das terminações em ens (exemplo : garagens ).*
“Tônica natural ”. Não sei se os gramáticos a detectaram e como a denominam ou denominariam. Mas ela existe. Por que chama o lusófono o Zéppelin (alemão ) de Zeppelín, a Lúfthansa (alemão ) de Luthánsa? Porque a tônica ali lhe é natural enquanto nenhum acento gráfico forçar pronúncia diferente .
Mostram-nos os exemplos anteriores : o luso-falante, ainda que analfabeto , tem uma maneira de distribuir as tônicas nas palavras . É o que chamei de “natural ”. Isto não é uma regra , é uma descrição ; é um por via de regra . Pois , nas tantas palavras acentuadas, o luso-falante foge ao princípio ou regra por razões várias, uma delas a etimologia , certamente .
A “regrinha” que qualquer criança de 8 anos para mais consegue entender merece o comando .
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário