19 de abril de 2009

Mantenha distância

adverte o caminhoneiro na sua traseira. Pois perante cada tradução deveria constar a mesma placa. Mantenha distância! A distância para o original em sua estrutura lingüística, que invariavelmente quer impregnar e efetivamente impregna nosso labor quando este não for rotina aperfeiçoada.

É o constante “nós dizemos” do Agenor Soares de Moura, com que ‑ pasmem ‑ confronta até os melhores escritores-tradutores brasileiros. Não é mirabolante? Seria desleixo do tradutor? Penso, muito mais, que as ocorrências revelam a genuína gravidade do perigo corrosivo da transformação dos idiomas. Também o tradutor tem uma só cabeça.

Em meio a boa tradução de um edital do British Council deparo-me com um “tem como objetivo encorajar o intercâmbio”, direto do inglês. Nós diríamos “incentivar” ou “fomentar”, também acepções do verbo “to encourage”. Falsa amizade! Mais: “A novidade este ano é o Charles Darwin Award”. Quanta preguiça para quem recebe pagamento por palavra! Deveriam descontar o prêmio de 7 centavos do “award”. E um desconto pelo mau ordenamento da frase. Mal cheira também: “As pesquisas podem ser em qualquer área de Ciências.” Aqui ocorre, no mínimo, pobreza de estilo. Outro desconto. Será que há tradutor que no final do mês não consegue saldar suas dívidas com o patrão após receber, como é uso em certas fazendas no seio do Brasil?

Os parcos exemplos já não se restringem ao âmbito relativamente simplório do vocabulário. Envolvem a estrutura da frase.

Com a experiência, eu mesmo comecei a adotar a técnica de não me deter muito nesses itens na primeira corrida, pois já numa primeira revisão consigo melhor me desprender do idioma “opositor”, o que facilita chegar intuitivamente às soluções não encontradas na febre da batalha original. Na revisão descubro as vírgulas de uma gramática não brasileira; orações e intercalações que soam mal enquanto não deslocadas ao agrado do ouvido.

O fator tempo é o melhor amigo do tradutor para este desembaraço dos idiomas. Separa (distancia) o texto concreto à nossa frente do emergente texto virtual em nosso fundo. Uma terceira e quarta revisão, com intervalos de dias ou semanas, são bálsamo para as inevitáveis infecções de nossas línguas, que nos acarretam dor de ouvido e que depois não queremos engolir. Verdadeiro caso de otorrinolaringologista.

Sinceramente!

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