24 de março de 2009

A difícil equação do “tradutor nativo”

Não serei o único “tradutor nativo” a reparar sua metamorfose de “nativo A” para um eventual “nativo B”, e a fazer suas continhas, suas equações, que são de menos, pois nunca chegam a cem. Para mim, o “A” coincide com alemão, e o “B” com brasileiro.

Para colocar de cara o cerne da coisa: no Brasil, posso me caracterizar como tradutor nativo para alemão. É o que acontece. Poderia eu, entretanto, na Alemanha denominar-me nativo brasileiro? Melhor: a partir de quando eu eventualmente poderia?

Façamos uma continha: os primeiros 13 anos de vida passaram-se no Brasil. Desses, 6 aninhos sem ouvir português, seguidos, porém, de marcantes 7 anos de escolaridade brasileira. Digo marcante porque, no mundo teuto, sinto eternamente as vitais lacunas da escolaridade perdida na Alemanha. As lendas, a geografia, as cantigas infantis e folclóricas, das quais aliás não acho graça (sic!). Neste sentido, a balança imaginária começava a tender para a natividade brasileira. Seguem 23 anos na Alemanha, sem grandes simpatias por ela, o que prejudica sua absorção. E outros 19 anos no Brasil. Anos atentos à língua, anos logo voltados à tradução.

De certa forma, a balança entre A e B passou do ponto de equilíbrio. Claramente pela estatística, mas também aparentemente, pelos indícios. Aritmética já não é. É mesmo sensação e observação. Sinto onde meu vocabulário evolui e onde definha. E esse processo não é linear. Depende do registro e do campo temático, por exemplo. Recentemente, o alemão sofreu reforma ortográfica um bocado impactante. Flagro-me com dúvidas antes inexistentes com relação a verbos compostos e às maiúsculas. Até com relação a preposições. É quando me sai um surdo “opa”, é quando percebo que o tempo correu, que estou a 12 mil km daquela língua, que ela chega pelos meus olhos, e não pelo ouvido. Que me sai pelos dedos e não pela boca. Língua morta, de certa forma. (Já outros conseguem ressuscitar línguas mortas há milhares de anos!)

É uma metamorfose muito interessante, e certamente todo tradutor a experimenta em sua própria particularidade de ser e de ela suceder. Com maior ou menor intensidade. Mais que aritmética, é alquimia. É onde falham gavetas burocráticas ou sindicais. É dirigível [quis usar conduzível, mas vetam-me os dicionários], porém não dominável.

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