24 de março de 2009

Onde estão as letrinhas mais lindas?

Estava com outra carta na manga para esta sexta quando me encanto pela palavrinha-chave das letrinhas, que novamente me cai na vista como possível tema anotado. Encanto e decisão acontecem no mesmo instante. Um pouco de intuição faz bem à redação!

É um tema que sinto como poético, como poesia de amor, bem entendido. É mais emocional, dá mais rédeas.

Bem, basta de prelúdio amoroso. O que me inspirou para o tema é uma coincidência na dupla dicionário e filas nas bilheterias do SESC, concretamente. Aquelas filas de ingressos pré-encomendados e reservados no nome da gente.

Observo ano a ano que os organizadores lá dominam mais ou menos a divisão por dois para o alfabeto de 24 letrinhas, mas não dominam a divisão em partes iguais das filas de seus espectadores. Devem estar separando a-m de n-z. A primeira fila chega a ser 5 vezes maior que a “minha” fila. E isso se repete ano a ano. Acentua-se a desproporção porque deixam até todas as Marias brasileiras na primeira fila.

Outro enfoque: sempre observo nos dicionários brasileiros como aquela divisão tradicional que cai entre as letras m e n acentua artificialmente o desequilíbrio do dicionário. Minha velha enciclopédia alemã divide seus tomos em a-k e l-z para ter 2 volumes iguais.

A relação entre o volume de páginas entre a-m e n-z para dicionários padrão comportam-se assim nas 4 seguintes línguas: Dicionário Etimológico Nova Fronteira: 542:296 páginas (= 1,8); Larousse (francês) 227:133 páginas (= 1,7); Oxford Dictionary and Thesaurus: 987:801 páginas (1.3); Duden (alemão): 369:316 páginas (1.16).

Nesses números está a chave para minha preferência lingüística, a beleza do português brasileiro falado, apreciado também por outras nações.

Quais as letrinhas que provocam esse encanto pessoal e internacional? É a abundância dos as em vatapá e abacate e sua singular nasalização em amante, tamanduá e mamãe; são os bês em beberibe e bebê, tão superiores aos pês de papo e pipa. Os dês de dado e dendê, tão mais carinhosos que os tês de tato e tatu. Não posso cantar o efe, mas compensam o gê e logo mais o jota, as suaves jóias do português, alcançadas apenas pelo francês. O aga é mero ornamento. Abunda o i: Ijuí, Ivoti e Iraí; subversivo, multiplica-se até à custa alheia em pede e mede, atordoando ainda o dê : pedgi i medgi.

O que tem a oferecer a contraparte? Tem, digamos, o o em sua forma aberta ou quando convertido em u: pouco, louco; já o rr, quando carioca (um agá alemão e inglês), é uma jogada genial do português que sequer os franceses acompanham! O vê e o zê merecem menção, mas não são lá grande coisa! Ok., nosso pê merece certo destaque, pois dispensa o duro soprinho do irmão inglês e alemão. Curiosidade à parte: os colonianos encontraram seu jeito, Bonaparte ensinou, e gostam até hoje.

Bem. Como dizia, são coisas de amor e de preferências que não se discutem! Na fila do SESC fico meio sozinho; já nas minhas preferências não: o povo brasileiro nomeia 5 entre 6 de seus filhos com minhas letrinhas amadas!  

Crônica agraciada com menção honrosa no XIII Concurso Literário da ALPAS.

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