21 de maio de 2010

Cooperativismo no RS: algumas dimensões históricas (História)

Artigo sociológico e histórico do Prof. Dr. Telmo Rudi Frantz (Unijuí),
gentilmente cedido para publicação neste blog. 

     Em viagem de férias, tive, mais uma vez, a oportunidade de cruzar as Colônias Italianas e a Região das Hortênsias, fazendo pouso em Cambará do Sul. Depois, descendo a Serra, por Praia Grande, subi o litoral catarinense permanecendo alguns dias na região de Brusque e Blumenau e retornando através dos campos de São Joaquim e Lages.  Fiz o trajeto lentamente, parando e apreciando, além da paisagem, o resultado do trabalho levado a efeito por imigrantes italianos e alemães e tropeiros lusos, ao longo de mais de um século de labuta.  Apesar de se encontrar, por estas paragens, bolsões de pobreza, com famílias em dificuldade econômica, é impossível não se impressionar com a extraordinária dinâmica sócio-econômica visível, particularmente nas regiões que tiveram na agricultura familiar a sua base econômica e sócio-cultural.  O quadro muda quando, deixando as regiões ocupadas e valorizadas com base na pequena propriedade familiar, se ingressa na bela e, aparentemente, vazia região dos Campos de Cima da Serra.  Esta região, como as outras áreas de campo natural no Rio Grande do Sul, foi ocupada mais precocemente, através do sistema das sesmarias e em função da faina com a criação e a comercialização do gado. Consolidou-se aí a grande propriedade pastoril configurando uma região fracamente povoada e bem menos dinâmica do ponto de vista econômico e sócio-cultural.  As mesmas diferenças são visíveis, a olho nu, quando se viaja do Vale do Itajaí, densamente habitado, para os campos de Lages, com suas fazendas dispersas no espaço. Estas diferenças são a expressão dos dois Sistemas Agrários predominantes, historicamente constituídos, no sul do pais, particularmente no Rio Grande do Sul.
O que esta rápida descrição tem a ver com o cooperativismo? Ao chamar a atenção para algumas dimensões históricas do cooperativismo no Rio Grande do Sul, pretendo fazê-lo tendo por pano de fundo as condicionantes que os diferenciados processos de ocupação do espaço gaúcho representaram e ainda expressam.  Elas estão na origem das atuais práticas agrícolas e de seus desdobramentos sócio-econômicos diferenciados; elas condicionaram, fortemente, a dinâmica organizativa das pessoas e grupos envolvidos em cada um destes sistemas agrários.

     Quero explorar a idéia de que a condicionante principal da dinâmica do cooperativismo gaúcho está nas características sócio-culturais dos sistemas agrários e de produção operados pelos sócios efetivos ou potenciais das cooperativas.
     A partir desta idéia básica pode-se analisar e entender melhor as manifestações institucionalizadas do cooperativismo no Estado, principalmente aquelas relacionadas ao processo de produção agropecuário em seu sentido amplo. Ao se estudar a formação histórica do Rio Grande do Sul, levando em consideração as interações da ocupação do espaço com o processo de povoamento, percebe-se um paradoxo: as regiões de mais fácil acesso, as de campo natural, são pouco povoadas e as de mais difícil acesso inicial, como as das matas, são as mais densamente povoadas.  As duas regiões tiveram os seus processos de ocupação defasados temporalmente, iniciando a ocupação das matas (1824) quando as áreas de campo já estavam praticamente todas apropriadas, com exceção da região das Missões.  As duas dinâmicas de povoamento deram origem aos dois sistemas agrários básicos até hoje vigentes no Estado: o pastoril, predominante nas áreas de campo, e o agrícola, predominante nas áreas de mato.  O desenvolvimento de cada um destes sistemas dá-se, de certa forma, autonomamente um em relação ao outro.  Assim sendo, trata-se de sistemas que se originaram cronologicamente defasados e espacialmente justapostos (Bernardes, 1997). Isso ocorreu porque para a elite pastoril, que desde 1734 se apropriara gradativamente do território através da obtenção de sesmarias em troca da ocupação e povoamento dos campos naturais, não havia razões para expandir suas atividades sobre as áreas florestais. Nestas a adequação à pecuária ou à agricultura implicava investimentos superiores aos necessários nas regiões de campo natural onde inicialmente eram quase nulos. Assim sendo, as terras de mato estavam disponíveis para os projetos de colonização no início do século XIX e foram ocupadas por pequenos agricultores que aí desenvolveram um sistema agrário cuja dinâmica não tinha praticamente nenhum vínculo econômico ou sócio-cultural com a pecuária. É, pois, a existência de terras de mato disponíveis que levou os imigrantes a nelas se localizarem. Os estancieiros não se opuseram, pois não precisando de mais trabalhadores, concordaram que os camponeses tivessem acesso à propriedade, desde que esta se localizasse nas áreas que historicamente haviam desprezado para fins de pecuária. Caso tivesse havido, por parte dos estancieiros, interesse em melhorar o manejo de seus campos através da obtenção de forragens e pastagens artificiais, poderiam ter-se interessado pela presença de agricultores em terras de campo.  Estes, sob a modalidade de arrendamento ou outra, poderiam, após um período de produção de grãos, devolver aos estancieiros as áreas cobertas com pastagens artificiais melhoradas. Tal prática ocorreu na Argentina no início do século XIX com a imigração italiana, contribuindo sensivelmente para melhorar a qualidade da alimentação do rebanho daquele país permitindo a introdução de raças melhoradas. Este estado de coisas foi reforçado pelo comportamento do Estado, quando da imigração de agricultores europeus, na medida em que sua intenção era, talvez mais do que a ampliação da produção de alimentos, assegurar a efetiva ocupação das terras de mato. Os conflitos ainda presentes na época, em decorrência da recente conquista militar das Missões por parte dos estancieiros e as dificuldades que a barreira florestal representava para o transporte de gado e de muares, davam sentido a essa preocupação. Assim sendo, mesmo que houvesse, por parte dos estancieiros, interesse na presença de agricultores em suas terras, tal desejo não necessariamente teria sido respaldado pelo Governo através de políticas específicas. Consolidam-se, assim, dois sistemas agrários bem distintos e separados.  Embora houvesse atividades agrícolas nas regiões de campo e atividades pastoris nas regiões de mato, estas não chegaram a constituir-se em componentes indispensáveis ao funcionamento de um ou de outro sistema, mesmo sendo complementares e funcionais.  Foi necessário que transcorressem mais de cem anos para que surgisse, no Planalto, uma integração entre a gricultura e pecuária capaz de assegurar a superposição destas atividades no interior de uma mesma unidade de produção. Estudos recentes realizados pelo Departamento de Estudos Agrários da UNIJUI, constatam que a maior ou menor dinamicidade de um sistema agrário está na dependência do grau e da forma de distribuição do valor agregado gerado na produção agrícola entre os agentes econômicos e sociais envolvidos na cadeia produtiva local.  Em outros termos, significa dizer que, em torno do excedente gerado na agricultura, bem como em função de suas necessidades, podem surgir várias iniciativas que, interagindo, dão origem a uma dinâmica econômica que ultrapassaos exclusivos limites da agricultura, embora dela dependentes.  A agricultura aparece, assim, como estimuladora de outras atividades econômicas em decorrência do consumo de equipamentos, máquinas e insumos necessários ao processo produtivo agrícola. Além disso, a agricultura supõe o transporte, a comercialização e a transformação dos seus produtos, dando origem a um setor “para-agrícola”, cujas características dependem do tipo de tecnologia utilizada na agricultura, do tipo de produto nela predominante e do grau de transformação industrial sofrido por estes produtos.

     O que importa reter aqui é a constatação de que o potencial de multiplicação dos efeitos positivos desta dinâmica é maior quando o processo de distribuição do valor agregado for mais democrático.
     Há, assim, sistemas agrários onde o valor agregado é alto, mas, em vista de sua apropriação concentrada, gera baixos efeitos sobre a economia e a sociedade locais, contribuindo pouco para o desenvolvimento local ou regional. O que se percebeu, para o caso específico do Rio Grande do Sul, foi o fato de os sistemas de produção baseados na atividade familiar apresentarem uma maior capacidade de fazer circular amplamente e localmente a renda gerada.  Este fato, dentre outros, explicaria a maior dinamicidades das comunidades das regiões onde se implantou a pequena agricultura familiar.  Esta modalidade de organização, mais democrática em sua base econômica, em decorrência da multiplicação de propriedades de igual tamanho, assegura, de um lado, uma distribuição mais eqüitativa da renda e, de outro lado, a necessidade de mais bens e serviços possíveis de serem produzidos localmente.  Tudo isso origina uma dinâmica econômica intensa de produção manufatureira e industrial e de trocas locais que estão na origem de um processo intenso de urbanização das regiões coloniais e da sua capacidade de gerar riquezas crescentes e que se tornam manifestas e visíveis através de suas cidades, vilas e distritos.  O capital social que aí se implantou ao longo da história está expresso em sua infraestrutura socioeconômica e cultural e é mais rico e diversificado do que o das regiões onde predomina a pecuária extensiva. É compreensível, pois, que comportamentos cooperativos se manifestem mais efetivamente nas regiões onde se desenvolveu um Sistema Agrário baseado na pequena propriedade familiar. Ai a densidade populacional e as atividades produtivas diversificadas foram capazes de gerar demandas locais sem que, com isso, deixassem desvincular-se ao mercado nacional através de um ou outro produto de destaque, qual seja, o vinho e a banha entre os italianos e a banha e o fumo entre os alemães.
     Assim, antes mesmo do surgimento do cooperativismo, formalmente institucionalizado, foram as características de acesso democratizado à propriedade e a conseqüente distribuição mais eqüitativa da renda que geraram comportamentos cooperativos e de solidariedade.
    
Não se trata, portanto, da cooperação como opção ideológica a priori.  Trata-se do fato de se ter criado uma base material que gerava e exigia modalidades de interdependências entre os agricultores e destes com outras pessoas e organizações capazes de responder às suas demandas econômicas, sociais e culturais.  As cooperativas que nascem neste contexto são, portanto, fortemente condicionadas pela base econômica democrática e eqüitativa destas sociedades rurais. Elas expressavam, em si mesmas, através de seu funcionamento, formas organizativas com alto conteúdo cooperativo e solidário. Embora envolvidos na dinâmica da produção de mercado e condicionados pelas políticas estaduais e nacionais, apresentavam uma dinâmica local específica e uma energia endógena suficientemente forte para dar origem às extraordinárias comunidades exemplificadas no início do texto. Em decorrência de tudo o que foi dito até aqui, o cooperativismo - seja ele de crédito, de consumo ou outro - apresenta, nas regiões onde predomina a pequena propriedade familiar, uma maior incidência e maior sucesso do que nas regiões de campo, fracamente povoadas e com dinamismos econômicos locais menores.  Não é por acaso que as ideias cooperativistas encontraram nestas comunidades maior respaldo e impacto. O cuidado que convém ter é o de não querer enquadrar experiências bem sucedidas em esquemas ideológicos pré-fabricados e inadequados a realidade destas comunidades. Tendo em vista a dinâmica mais abrangente da organização econômica e social da vida dos pequenos agricultores tem-se a presença, neste tipo de organização, de uma solidariedade muito forte. Inspirando-nos em Durkheim, poderíamos dizer que, nos primórdios da colonização, esta solidariedade era, em grande parte, do tipo mecânica, porque se originava das grandes semelhanças entre os membros individuais, semelhança identificadora do grupo e baseada numa forte consciência de identidade.  Mas, com o rápido desenvolvimento da agricultura dos colonos e sua inserção no mercado nacional, houve, em seu meio, uma aceleração da divisão de trabalho, com apresença de uma maior diversidade de pessoas e grupos (comerciantes, artesão, industriais etc.), dando origem a um novo tipo de solidariedade, baseado “na complementação de partes diversificadas”, ou seja, a solidariedade orgânica.  Enquanto se identificam como grupo onde predominam as semelhanças no que se refere à propriedade da terra, formas de produzir, tipos de cultura, valores e referências religiosas comuns, fica reforçada a solidariedade mecânica.  Na relação do grupo, assim identificado, com o mercado e seus representantes, cuja dimensão e racionalidade muitas vezes lhes escapam, mas com o qual necessitam transacionar, desenvolve-se a solidariedade orgânica.  Com o tempo, é esta última que se impõe cada vez mais sem que, no entanto, desapareçam totalmente aspectos ou traços da solidariedade original (Lakatos, 1982 : 43).  Numa perspectiva marxista, na qual se sobrepõe o conceito de classe social, se poderia trabalhar com os conceitos de “classe em si” e de “classe para si”.  Com a crescente divisão de trabalho no seio das colônias e ao aparecerem os primeiros sinais de diferenciação social entre o grupo e o enriquecimento, principalmente de comerciantes, os colonos irão, pouco a pouco, perceber-se como um grupo com interesses específicos e muitas vezes antagônicos aos de outros membros da “comunidade” local ou supra-local, desenvolvendo formas de organização para defender seus interesses específicos. Daí surgem as antigas cooperativas mistas - de produção e de consumo que levam o agricultor a organizar-se para escapar ao que entende ser a exploração do comerciante local. Em síntese, os pequenos agricultores proprietários, que, produzindo um valor agregado cuja distribuição é mais equitativa do que a que ocorre em regiões de concentração fundiária, conseguem construir economias locais diversificadas econômica e culturalmente. Esta diferenciação leva à constituição de classes sociais e impõe modalidades de solidariedade orgânica sem que, entre “iguais” desapareça a solidariedade mecânica. Estas economias locais são competitivas e demonstram, ao longo da história, uma grande capacidade de inovação tecnológica. Dão origem a dinâmicas de desenvolvimento local que se baseiam numa convivência em que a solidariedade mecânica e a orgânica se entre cruzam. Estas formas de solidariedade que estão ancoradas numa base material bastante democrática, torna o meio colonial um espaço onde formas de organização solidária formais vicejam com relativa facilidade. Mais recentemente (pós 1960) desenvolvem uma consciência de classe que se expressa através do movimento sindical e de outros movimentos sem que, no entanto, as formas precursoras de solidariedade desapareçam totalmente. Schneider & Konzen (2000) fazem referência a três elementos ou dimensões que devem ser destacados ao se analisar a genealogia do cooperativismo agrícola no Estado. A primeira dimensão refere-se à “reação dos colonos ao controle dos intermediários, principais agentes de acumulação e representantes do capital mercantil nas colônias, contra as fraudes de comercialização e a conseqüente desvalorização dos produtos coloniais nos centros urbanos” (Schneider & Konzen, 2000 : 9). O segundo aspecto destaca a “experiência e ideologia cooperativista” que os pioneiros Pe.  Amstad e Dr.Paterno “ajudaram a transplantar de Europa para as regiões de colonização ítalo-germânica” (Schneider & Konzen,2000 : 9). O terceiro elemento genealógico refere-se à ação do Estado enquanto estimulador da organização cooperativa. Estas três dimensões, constantemente presentes em todas as etapas do desenvolvimento do cooperativismo no Rio Grande do Sul, adquirem, nos cenários da pequena agricultura familiar, características específicas em suas distintas fases. Assim, quando em 1900 o Pe. Amstad promove a fundação da primeira Associação de Agricultores e a subseqüente criação de várias cooperativas de crédito, ele o faz, como bem lembram Schneider & Konzen (2000 : 4), sustentando-se na identidade e na solidariedade religiosas.  Embora as dificuldades econômicas fossem a maior razão, era necessário consolidar a iniciativa fazendo apelo a certos aspectos da solidariedade mecânica presente na vida cotidiana dos agricultores. Alguns princípios do cooperativismo, como, por exemplo, o de cada associado ter direito a um voto, independentemente de sua capacidade de poupança, correspondia fortemente à experiência de vidados colonos nas suas relações internas enquanto grupo de “iguais”. É preciso destacar, embora pareça óbvio, que a criação de cooperativas de crédito e sua multiplicação pelo Estado mostra que as colônias geravam um excedente importante. No entanto, grande parte do mesmo terminava por concentrar-se nas mãos do comércio intermediador. Esta relação, prejudicial ao colono, foi detalhadamente analisada por Pesavento (1983).  Por outro lado, convém relembrar que o desenvolvimento do comércio e da indústria, nas regiões de pequenos agricultores, foi um fato de extrema importância para dar origem às comunidades economicamente diversificadas e relativamente ricas de várias das regiões coloniais. Embora o comércio e a indústria tenham conseguido realizar uma acumulação mais significativa que os colonos, e muitas vezes às custas deles, o fato de se desenvolver localmente, enquanto assegurava uma relação com o mercado mais amplo, tornou as regiões de colonização bem mais pujantes do que as relacionadas ao Sistema Agrário pastoril do Rio Grande do Sul. Tendo em vista a “perenidade” das relações contraditórias entre colonos, comerciantes e industriais, era de se esperar que o cooperativismo tivesse um ritmo de crescimento constante.  Não foi o que ocorreu. Segundo Pesavento (1983), o que ocorreu ao longo de século XX foi o crescimento por surtos que correspondem aos anos 1911, 1929, 1957.  Estes surtos ocorrem quando há problemas com o mercado dos produtos que são predominantes nas colônias e estratégicos para o Estado.  Em 1911 e em 1929, por exemplo, há sérias dificuldades para colocar o vinho gaúcho no mercado nacional.  Foram dificuldades que tanto afetaram os agricultores quanto os comerciantes locais, embora estes tivessem alguns mecanismos de defesa a mais do que os colonos. É também nesses momentos que se destaca mais fortemente a ação do Estado no apoio ao cooperativismo.  Este se preocupa na medida em que a redução do valor das vendas dos produtos coloniais passa a afetar a arrecadação de impostos. Além disso, essas crises conseguiam assegurar alguns apoios novos e até surpreendentes à criação de cooperativas.  No caso específico da crise do vinho em 1911,
“o movimento cooperativista contou com a iniciativa do Ministro da Agricultura e Comércio, Pedro de Toledo, que propiciou a vinda da Itália do Dr.  Stefano Paterno,em 1911, a fim de organizar cooperativas de pequenos agricultores. O apoio do Ministério da Agricultura e Comércio, assim como da Sociedade Nacional da Agricultura, onde se faziam presente os interesses do café, deve ser entendido à luz da preocupação do centro na divisão nacional do trabalho, ou seja, na viabilização do Rio Grande como “celeiro do país”, especializado na produção de gêneros de subsistência para o núcleo central de exportação. No plano regional, o movimento cooperativista teveo apoio do presidente do Estado (na ocasião Carlos Barbosa Gonçalves), do chefedo PRR (Borges de Medeiros), da Associação Rural de Pelotas e do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, entidade que englobava pecuaristas e comerciantes e que, notoriamente defendia os interesses do capital.  Através de lei 103 de  19/12/1911, o governo estadual isentou as cooperativas de impostos territoriais, industriais e de exportação, além de estabelecer prêmios para estimular o aumento da produção” (Pesavento, 1983 ; 38).
     Como se pode perceber, o apoio dava-se na medida em que mais interesses  estavam em jogo. Mas na seqüência sabe-se, também, que foram algumas destas razões, principalmente as de ordem política, que inviabilizarama  permanência, por exemplo, do Dr. Paterno no Rio Grande do Sul, após 1916.     Na crise de 1929, a ação do Governo, principalmente a do federal, não foi tão incisiva. O Governo gaúcho apoiava a criação de cooperativas na medida em que as mesmas contribuíssem para melhorar a qualidade do vinho, exigindo a introdução de melhoras técnicas tanto na produção da uva quanto na fabricação do vinho. Outros exemplos poderiam ser citados para chamar a atenção ao fato de que os surtos cooperativistas ocorreram por ocasião da crise de determinados produtos quando, então, o Estado passa a ter uma atuação mais efetiva. Assim, poder-se-ia analisar o caso do surgimento das cooperativas tritícolas, em 1957, no bojo de uma crise na produção e no mercado do trigo.  Foi o decisivo apoio do Governo Federal à criação de cooperativas que assegurassem a comercialização do produto, que esteve na base daquele movimento (Frantz, 1982). Lideranças religiosas estiveram presentes em muitas iniciativas cooperativas ao longo do século XX.  O seu papel, enquanto catalisadores de iniciativas que visavam institucionalizar aspectos da solidariedade vivida pelos colonos, foi importante.  Não só o foi na medida em que havia um reforço recíproco entre religiosidade, solidariedade e cooperativismo, mas também porque estas iniciativas contribuíram para que houvesse uma melhora na distribuição localdo excedente gerado pela agricultura. Diante de tudo que foi dito até aqui, podemos concluir dizendo que a dinâmica do cooperativismo agrícola no Rio Grande do Sul sempre foi mais forte e significativa nas regiões onde predominou a pequena propriedade familiar. Isso ocorreu porque a base material desta modalidade de produção e organização social assegurava uma apropriação mais eqüitativa da renda agrícola dando origem a dinâmicas econômicas de crescimento constante, como se pode observar pela evolução histórica das cidades destas regiões.  Além disso, essa base democrática e eqüitativa permitiu o desenvolvimento de comportamentos de maior solidariedade os quais eram favoráveis ao sucessodos empreendimentos cooperativos.     Apesar disso o cooperativismo gaúcho não teve um desenvolvimento persistente e continuado através do tempo. Deu-se por surtos decorrentes, em geral, da crise de mercado dos principais produtos agrícolas de um determinado Sistema Agrário. Finalmente, a ação de apoio ao cooperativismo por parte do Estado tem sido mais efetiva quando produtos de seu interesse estratégico se defrontavam com dificuldades de mercado.  Fora isso, os produtores necessitavam ancorar-se em suas próprias energias e recursos.  Isso significa dizer que, na maior parte do tempo, não convém esperar ações efetivas de apoio do Estado.

BIBLIOGRAFIA
BERNARDES, N.  Bases geográficas do Povoamento do Rio Grande do Sul.  Ed.  UNIJUI, Ijuí, 1997.
FRANTZ, Telmo Rudi.  Cooperativismo empresarial e desenvolvimento agrícola.  Petrópolis, Vozes, 1983.
LAKATOS, Eva Maria.  Sociologia geral.  São Paulo, Atlas, 1982.
PESAVENTO, Sandra Jathay.  RS: agropecuária colonial & industrialização.  Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.
SCHNEIDER, José Odelso; KONZEN, Otto Guilherme.  100 anos de cooperativismo no Rio Grande do Sul.  100 anos de experiência solidária.  In: Relatório do I Congresso Gaúcho de Cooperativismo e de Associativismo e dos Atos Comemorativos dos 100 Anos do Associativismo Rural.  Nova Petrópolis, OCERGS, out.  2000.

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