22 de janeiro de 2009

Livro tem perna


Também o antigo vinil as teve. O CD ainda deve tê-las. o emule e família não as têm, de geneticamente modificados que são.
Das pernas e penas sabe quem ama suas estantes tanto quanto a seus amigos, fazendo por isso a ponte entre seus dois amores. Sangria, ponte de mão única. Bem sabe-o aquele que mais ama a seus livros do que seus próprios amigos, ao estancar com doloroso veto a mesma hemorragia.
A cada livro lido causa-nos o amor à literaturafictícia ou não ‑ o ímpeto de passá-lo a amigos e conhecidos. Ainda que o cremoso folhado circule em círculo vicioso, recompensam-nos ao menos as dicas de outros livros, senão o próprio. Aliás: quanto menor o círculo amistoso, menos vicioso.
Como legítimos donos da encapada voz do autor, contudo, obedecemos a dois beligerantes deuses íntimos: o missioneiro e o cobiçoso. Tendemos a aleijar essa voz bibliográfica, a mantê-la em cadeira de rodas móvel, porém não automóvel. Queremos a missão controlada.
Como sempre, há os do contra. Aliei-me a eles, ao menos um pouquinho. Quando avalio que nem eu nem algum familiar pegará novamente em mãos certo livro no decênio, sigo exemplo de amigo meu: repasso o livro à biblioteca ou a amigos, que por sua vez o passarão adiante. Ou ao sebo, modalidade que a rede de sebos www.estantevirtual.com.br ultimamente oferece aos livros não aleijados até da província. Serviço que instiga a extravagância do missioneiro literário. Ao salvá-los de traças e baratas, salva os pobres livros da vida eterna e permite-lhes criar novos brotos em crânios eternamente desconhecidos. Em vez de presos em prateleiras, retornam à corrente literária!
Até tudo normal entre certa classe social. Mas quando o sujeito é bilíngüe, seus amigos e o livro não? Ah! pega-se o livro e se o traduz para os amigos e demais desconhecidos leitores! Tive a felicidade de encontrar uma editora para dois livros que quis disponibilizar ao público lusófono (A Década Vermelha e A Utopia do Expurgo, ambos de Gerd Koenen). Com a parcela de livros que me convinha como tradutor, pude presentear uma série de amigos e bibliotecas. Novas pontes construídas!
Não é raro apaixonar-me tanto pelo novo livro descoberto que verifico se existe em português. pesquisei pelo e-mail de um autor chinês, e lhe escrevi sem obter resposta. Apaixonei-me pela edição inglesa de O Deus das Pequenas Coisas, mas outro apaixonado se antecipara. Semana passada, apaixonei-me por Leonie Swann, Three Bags Full, que li em alemão. Dá vontade de sentar e verter e verter para que o livro crie ‑ asas.

Crônica agraciada com o 2º lugar no XIII Concurso Literário da ALPAS.

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